domingo, 19 de agosto de 2012

Segredos, dúvidas e devaneios no cais II



- Finalmente Londres passou a bandeira Olímpica para o Rio de Janeiro! É triste perguntar, mas será que daqui a 4 anos o brasileiro terá educação suficiente para se comportar de forma correta perante os jogos? O Pan-americano no RJ foi um atentado ao bom senso. Inaceitavelmente o público comemorava com entusiasmo (como se comemora um gol nos estádios) cada queda dos ginastas estrangeiros. Cabe lembrar que os ingressos eram bem caros, comprovando que civilidade, espírito esportivo e educação não tem nada a ver com poder aquisitivo.

- A morna temperatura das campanhas eleitorais está prestes a esquentar. Na próxima terça-feira começam as propagandas políticas e, ao que tudo indica, começarão as trocas de farpas entre os candidatos. Teremos mais um emaranhado de conhecidas táticas para caçar os votos dos riograndinos ainda indecisos. Pensando no Legislativo, a maior dificuldade do nosso sistema eleitoral é ter paciência suficiente para garimpar alguma proposta concreta dos aspirantes. Como sempre, uma pá de postulantes a vereança é capaz de gerar uma pá de boçalidades e de propostas vazias. Uma nova reforma eleitoral também poderia ser fundamental para melhor regular o número de candidatos aos pleitos, grande parte não passando de caça-votos para as suas legendas.

- Falando em eleições, afinal, quando a incendiária Prefeitura Municipal terá sua restauração concluída? Seis longos anos já se passaram e nada! Ainda no início de 2012 o Jornal Agora noticiou, em matéria intitulada “Obra de restauro ainda sem conclusão”, que o arquiteto William Pavão Xavier apontara o mês de abril (!!!!) como o previsto para a finalização dos trabalhos. Aposto com o próprio Nero que tudo acaba antes de 07 de outubro...

Incêndio de 2006: Roma é aqui!

- Incrível como a longa Greve dos Professores Federais está servindo para evidenciar péssimas particularidades da sociedade brasileira: primeiro, boa parte da população ainda vê o grevista com olhar preconceituoso, uma espécie de “trabalhador em férias e sem aviso prévio para o retorno”, um privilegiado que chora com bolso cheio, daí surgem vários e vários artigos e cartas pela imprensa buscando jogar a população contra a classe docente alegando o prejuízo social com a suspensão das aulas; em segundo lugar, não será essa geração que presenciará a Educação como prioridade para um governo federal; terceiro, a grande mídia odeia um funcionário público, ainda mais o tipo federal concursado que, em regime de greve, consegue atingir a educação das classes alta e média do país, afinal, se os seus filhos tiveram condições de passar no vestibular, eles possuem o direito de ter aulas, pensam alguns; e, por último, podemos comprovar que o peleguismo ainda vive, forte e belo!

- No último dia 14, terça-feira, o Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão que responsabilizava o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (chefe do abominável Doi-Codi entre 1970 e 1974) por torturas a uma série de vítimas no Período Militar. Sem nenhuma consequência criminal punitiva, a deliberação do TJ consegue nos deixar com um sentimento ambíguo: felizes por ter a certeza de que esse simples juízo ainda deve render outros bons frutos, e, por outro lado, tristes por lembrarmos o quanto estamos atrasados no quesito justiça às vítimas do período.

- Apesar de reconhecer as necessidades financeiras que atravessa o S.C. São Paulo, não posso deixar de demonstrar o meu desgosto ao ver o Estádio Aldo Dapuzzo “engolido” por construções pelo lado da Av. Presidente Vargas. A frente do nosso Estádio já é passado! Mais um patrimônio local destruído que vai ficando na memória dos rio-grandinos.


Nosso quase laico Supremo

- Perguntinha: até quando o Supremo Tribunal Federal manterá um crucifixo em sua parede?


* Palavras escritas ao som de A Treasure (2011), de Neil Young

domingo, 5 de agosto de 2012

Brasil na Olimpíada 2012: decepção ou realidade?


E não é que a Olimpíada está acontecendo mesmo com a ausência da Rede Globo!!  Mais do que isso, as frequentes notinhas televisivas esclarecendo as razões do escasso uso de imagens olímpicas são hilárias e um tanto embaraçosas. Como se elas bastassem para isentar o canal da sua quase omissão nas semanas anteriores ao evento. Primeira vez que não presenciamos uma contagem regressiva acompanhada de chavões esportivos ao estilo “plim-plim”. Afinal, ela continua sendo “mais Brasilllll” nesses jogos? Enfim, algo mudou em 2012, se foi para melhor ou para pior são outros “quinhentos”...
Com a transmissão de sua maior concorrente televisiva, a Rede Record, a Olimpíada parece ter demorado a engrenar no país, todavia engrenou! O papel assumido pelas redes sociais é amplo e de rápida difusão. Não há como ocultar um evento esportivo dessa magnitude. Com a o início dos jogos, a Globo percebeu sua delicada posição (embora o julgamento do apelidado de “mensalão” esteja servindo como uma tábua de salvação para a emissora de R. Marinho), e começou a correr atrás, produzindo matérias que não necessitam o uso de imagens da Record.

Mascote londrino quase "indecifrável"!

No que se refere mais especificamente aos jogos e à participação brasileira, confesso me sentir relativamente contrariado com algumas repercussões expostas nos principais setores da mídia. Conceitos como “fracasso”, “fiasco”, “decepção”, “ultrapassado”, entre outros, estão estampados sem critério algum, sem fundamento ou reflexão sobre qual a real condição do esporte brasileiro. Como rotular uma eventual desclassificação como “fracasso” se nem ao menos não sabemos o que se passou com determinadas modalidades nos últimos dois, três ou quatro anos? Como caracterizar um desportista de “ultrapassado” se não temos a mínima noção da sua jornada até o ano Olímpico? Qual a totalidade de apoio, patrocínio ou simples incentivo teve esse desportista até 2012? O “cara” realmente falhou, ou foi superado? Quem era o adversário? Qual sua posição internacional na modalidade? Teria o juiz errado ao não marcar um ippon ou um “popular” wazari”? Afinal, o que é um “wazari”, um prato típico japonês? O telespectador brasileiro domina as regras do judô? E as do Handebol? Ah, mas aposto que todos possuem um grande conhecimento sobre as regras da Vela e do Badminton...
Em uma rápida olhada nos sites que noticiavam o terceiro lugar de Cesar Cielo nos 50m Livre, conquistado ainda nesta semana, um internauta “bradou” no site Terra: “Dessa vez não bateu no peito e nem soqueou a água. Te aposenta otário.” Já outro, também aproveitando a não conquista do ouro pelo nadador brasileiro, escreveu: “Espero que essa cambada esteja fora de nossas Olimpíadas. Precisamos de novos talentos. Fora Daiane, Jade, Hipólito, Mauren, Bernardinho....”(nota: fiz algumas correções na escrita, pois, caso contrário, alguém poderia achar que o autor havia inventado uma nova língua moderna...) As besteiras escritas são tantas que poderíamos criar uma boa trilogia com as postagens mais imbecis do dia! Perto disso Senhor dos Anéis viraria um simples conto!


Fabiana Murer, Campeã do Grand Prix na Inglaterra (2010), Campeã Mundial Indoor no Qatar (2010) e Campeã Mundial na Coréia do Sul no ano passado, mais um recente alvo dos comentaristas de sofá "experts" na modalidade salta com vara.

Trazendo a reflexão para o esporte mais praticado no Brasil, a seleção de futebol feminino é quase all concur na hora de arrebatar a pecha (que nesse caso nada tem a ver com a cor de seu uniforme) de “amarelona”. A maioria dos nossos “especialistas da bola” adora proferir em bom tom “Amarelaram mais uma vez!” (algo que em outro momento também foi frequentemente direcionado à equipe feminina de vôlei), sem ao menos levar em conta a precária estrutura do nosso futebol feminino: times amadores e semi-amadores, calendário pífio e desorganizado, abandono por parte da CBF, “salários” que se juntando todos os anos da carreira de uma atleta não chegam perto do que um titular da seleção masculina ganha em apenas um mês, entre outras coisas.


"O povo brasileiro é ignorante, no sentido de ignorar o esporte. Só temos Olimpíadas de quatro em quatro anos, e só sabe o que é quem está lá. Só sabe onde o calo aperta quem veste o sapato. Quero ver ir para a Rússia, ficar uma semana lá comendo mal e treinando. Quano a gente volta e lê as críticas, dá vontade de matar!". Desabafou a treinadora da equipe feminina do Brasil.


De 4 em 4 anos todos os brasileiros viram experts em todos os esportes! Determinam a “pipocada”, a “amarelada”, a falha do juiz, a falta de melhor treinamento, o decréscimo físico do atleta... Há uma amnésia coletiva capaz de esconder que fazemos parte de um país praticamente “mono-esportista”, mergulhados em uma cultura onde o futebol reina absoluto 12 meses ao ano sem encontrar outra modalidade que consiga ameaçar essa consolidada instituição nacional.

Até quando?

Como medir um fracasso esportivo individual se não temos o conhecimento do real investimento aplicado no atleta? E se caso tivéssemos acesso ao montante de investimento, seríamos capazes de medir aptidões físicas e psíquicas com a fria balança do dinheiro?
A Olimpíada de Londres ainda está longe de seu final, mas desde já parte da nossa acéfala mídia (e seus acéfalos consumidores) começou a depositar a esperança em 2016. Cria-se a ideia de que o Rio de Janeiro assistirá o surgimento de uma potência olímpica sul-americana. Daqui a quatro anos os golpes entrarão fáceis nos adversários, os chutes serão certeiros, os ventos soprarão nossas velas rumo ao ouro, Usain Bolt será superado por um novo carnavalesco corredor brasileiro, nossos jovens mostrarão o real valor da nossa peteca frente ao Badminton... Tudo será ouro! O Brasil será ouro! Nós seremos ouro! E no final de tudo acordaremos, lembrando que algo desse nível não se estabelece por decreto!

Ânimo para acordar e encarar a nossa realidade!

E o que teremos após a cerimônia de encerramento do Rio 2016? Novamente discursos condenadores dos esportistas brasileiros, novos bodes expiatórios para o chamado “fracasso olímpico” e a velha decepção estampada nas manchetes nacionais e nas principais redes sociais.
Com certa frieza não vejo grandes mudanças de quadro para 2016. O fato do RJ ser sede olímpica até pode (e deve) gerar algum resultado pontual em determinadas modalidades. Uma vitória a mais, alguns ouros, pratas ou bronzes a mais, mas nada que mude abertamente a frágil posição brasileira no esporte mundial. Para uma superação eficaz desse atraso monumental, a cultura olímpica deveria ter sido plantada muito anteriormente (ainda no início desse século), junto a um plano educacional estruturado e estrutural em nossas escolas. Não há como separar avanço no esporte e avanço na educação! São décadas e mais décadas de ações políticas que apenas remendam, não assentam bases estáveis. As duas áreas são muito próximas, elas se completam e, justamente por tal condição, necessitam de atenção especial e contígua. Peguemos os 7 países que lideram até o momento o quadro de medalhas em Londres: EUA, China, Coréia do Sul, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Itália. Segundo o último ranking da Educação Mundial elaborado pela UNESCO, todos os países acima listados ocupam posição muito superior a do Brasil (88º lugar), com destaque para a Grã-Bretanha, França, Itália e Alemanha, segundo, quinto, sexto e décimo terceiro lugares, respectivamente. Se pegarmos outros rankings sobre a educação mundial, pouca coisa significativa irá mudar se comparado ao lançado pela UNESCO. Como simples exemplo dessa ligação educação-esporte, temos a Coréia do Sul, país que apresenta acentuado crescimento nos quadros de medalhas (pode-se perceber já em Atenas 2004 ou, ainda, em Sydney) acompanhado de um franco avanço em sua educação e, por conseguinte, em sua tecnologia. No nosso caso, a posição brasileira no quadro de medalhas olímpicas apenas reflete o descaso de nossos governos nas áreas da educação escolar e esportiva.


Salas de aula e quadras poliesportivas: um investimento que todos lucram!


Então, o que esperar de 2016? Sinceramente, acredito que teremos “mais do mesmo”.  Contudo, continuarei não rotulando esse possível resultado como “fracasso”! O verdadeiro fracasso seria se investíssemos e não crescêssemos. A primeira parte dessa frase ainda não aconteceu...e creio que não acontecerá o suficiente até 2016!
O investimento para 2016 deveria ter sido planejado há muitos anos atrás, lá pelo primeiro governo Lula (até porque o FHC estava mais preocupado com as privatizações do que em investimento escolar...), mas, infelizmente, não ocorreu. Mais uma vez o bonde passou e nós continuamos sentados na estação à espera do próximo.


Seria injusto não destacarmos o Programa Bolsa Atleta do Min. do Esporte que, embora com características paliativas, mas ainda necessárias, foi diretamente responsável pela única medalha de ouro conquistada, até o momento, pelo Brasil, financiando desde 2006 a judoca piauiense Sarah Menezes.

Devemos imediatamente rever nossos conceitos sobre a educação e o esporte. Refazer os laços entre as duas áreas. Olhá-las com objetividade e prioridade. As visíveis precariedades, tanto da nossa capacitação esportiva como das críticas acéfalas aos atletas brasileiros, são nada mais do que resultados de nosso fracassado sistema escolar, este incapaz de incitar o brasileiro a elaborar uma crítica embasada na reflexão no lugar da pura emoção.
Na disputa para ser sede, o Brasil apenas ganhou o direito de realizar uma Olimpíada, não o direito de ser uma potência olímpica. Tal condição se conquista ano a ano, através de um sério e efetivo planejamento educacional e esportivo de massa.

* Palavras escritas ao som de This Years's Model (1978), de Elvis Costello.