quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Sou favorável à ajuda de custo


Na última semana um assunto praticamente monopolizou as redes sociais dos riograndinos: um possível boicote à Festa do Mar 2013. Idealizado pelo já conhecido e "ácido" blogueiro Eduardo Bozzetti, a campanha tem como um dos principais objetivos denunciar o descaso para com os músicos conterrâneos, simbolizado pela sempre temível forma de pagamento denominada “ajuda de custo”. Poucas palavras causam tanto mal estar na classe artística quanto essas três juntas. E o que é pior, essa expressão é figurinha bastante conhecida em nosso circuito papareia. Praticamente crescemos e nos acostumamos à ela.

Diferente de me juntar ao coro contrário à “ajuda de custo”, eu me coloco em defesa dessa prática. Talvez seja o momento de transformarmos a proposta da digníssima organização da FEMAR em estilo de vida riograndino. Uma espécie de moeda. Simples como a própria “ajuda de custo”. Como verdadeira propositora, a Festa do Mar poderia começar a espraiar essa prática com vistas a municipalizar a ação. Impor a todas as relações comerciais de Rio Grande a “ajuda de custo”

No entanto, para que isso venha a finalmente acontecer, é fundamental esse papel vanguardista da FEMAR. Com esse propósito, todos os comerciantes e expositores pagariam seus devidos espaços destinando uma “ajuda de custo” à organização. Claro, tudo de acordo com a real capacidade de endividamento dos mesmos. Ela poderia ser 1, 2, 5 reais ou, quem sabe, até um pouco mais, chegando aos absurdos 50 reais! O importante é o comerciante não estourar o orçamento. Há que se ter planejamento, afinal, o objetivo da FEMAR é filantrópico, não lucrativo.


Fonte: Jornal Agora


Nesse novo sistema, a população riograndina, o grande alvo da filantropia dos organizadores, também adentraria o complexo através de uma “ajuda de custo”, começando por 1 centavo e terminando até a capacidade salarial do cidadão. Ah, mas antes disso o visitante teria se deslocado até a Feira através de uma “ajuda de custo” à empresa de transporte coletivo. Resumindo, com três “ajudas de custo” o cidadão poderia tranquilamente visitar a FEMAR! E tudo isso sem prejudicar seu orçamento doméstico. (caso aquela fome batesse à porta do seu estômago com mais uma “ajuda de custo” o visitante poderia fazer um belo lanche no setor Gastronômico da FEMAR)

E o que sobraria aos músicos? Com a possível municipalização desse sistema de pagamento, os músicos riograndinos logo começariam a colher seus frutos. Na hora de pagarem o dono do estúdio, no qual semanalmente ensaiam e deixam cerca de 40 ou 50 reais por duas horas de uso, os caras passariam a dar uma “ajuda de custo” para o empresário do ramo. A velha “vaquinha” de 10 reais para cada membro do grupo transformar-se-ia em 30 ou 40 centavos “por cabeça”. Um baita alívio para o orçamento da banda! Com um gasto de 40 centavos por semana, o guitarrista poderia ir até à loja de instrumentos mais próxima e, com uma ótima “ajuda de custo”, fazer a alegria do vendedor do jogo de cordas. Bateria, pratos, guitarras, cabos, correias, pedais, enfim, tudo ficaria ao alcance de todos os músicos riograndinos. Ninguém precisaria mais poupar suas escassas finanças.

Enfim, expus apenas algumas das razões que me fazem ser contra o boicote propagado pelas redes sociais. Está faltando um pouco de compreensão com a real intenção da organização da FEMAR. Ela simplesmente está querendo fazer uma revolução na música e no comércio riograndino.

Triste, mas os vanguardistas são sempre tão incompreendidos...


* Palavras escritas ao som de Attack & Release (2008), do The Black Keys.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O lado antropólogo do diabo


Quando tu passas a morar em outra cidade é comum vir um choque inicial. Esse choque tende a ser bastante variável, podendo se expressar de forma mais clara nas diferenças dos traçados urbanos, arquitetura, estrutura comercial, trânsito, etc. No entanto, particularmente o que mais chama a atenção são os costumes, as formas com que os moradores se relacionam com a população e a própria cidade. Embora nem sempre incorporando as tradições e o jeito de ser dos moradores do novo habitat, é comum acabarmos nos acostumando com tal. Com o tempo, aquilo que antes estranhávamos e olhávamos como algo de “outro mundo”, torna-se habitual, pouco chamativo. 
Passei por tal processo em Montevidéu (com morada mais curta) e Pelotas (alguns bons anos na conta), antes de retornar à Cidade do Rio Grande. Neste último sábado, fiz uma rápida passagem por Pelotas, o que suficiente para ter uma espécie de deja vu da minha antiga mudança para essa cidade. Não há como negar: existe uma boa diferença entre o “ser pelotense” e o “ser riograndino”. Essa clara diferença se torna ainda mais latente quando tratamos das classes mais abastadas de ambas as cidades, da “nata”, da elite “vipiana” (ainda não há imposto para quem cria palavras). Isso não quer dizer que uma é melhor ou pior que a outra, mas elas se diferem na forma como se (re)apresentam e se relacionam com os pares ou com as classes inferiores. Isso é fato! Algo perceptível mesmo aos olhos mais desatentos.
Vamos aos fatos. Após estacionar o carro no estacionamento de uma loja altamente frequentada pela classe “vipiana” pelotense (antes que perguntem, não, não fui comprar nada), percebi que outra família também acabara de fazer o mesmo cerca de 10 metros de distância. Achei estranha a insistência do motorista do carro em lançar o olhar em minha direção. Logo vi que se tratava de um político da Cidade. Adaptando o que dizia o saudoso Brizola: “um netinho da Ditadura”. Membro daqueles velhos partidos que insistem em trocar de nome com o intuito de apresentar-se como algo novo. E lá ia ele na minha frente. Dava dois passos e olhava para trás esperando o meu aceno de eleitor em potencial. Mais dois passos e olhar para trás novamente, até que chegou um momento em que percebeu que o seu “amor eleitoral” não seria correspondido.
Após atravessar toda a rua, confesso que tive um pensamento maldoso, daqueles que, se por acaso eu fosse católico, deveria imediatamente confessar ao padre. Na minha cena imaginária eu respondia grosseiramente à sua tentativa eleitoral. Diria que meu título eleitoral não constava na lista dos cidadãos pelotenses e que, caso constasse, o Trem (torcedor símbolo do Farroupilha), caso candidato, teria mais chance de levar o meu voto do que o ex e venerável edil. Aproveitando meu momento estritamente imaginativo e mal educado, fantasiosamente emendei: “E tu és um grande papai burguês e otário por não aproveitar nem o sábado para cuidar do próprio filho!” Sim, ele foi passear com o filho acompanhado da esposa (creio eu) e uma uniformizada babá em pleno sábado!!
Esse meu pensamento pode ter sido um pouco exagerado, mas foi ele quem provocou meu demônio...


Eis o culpado!

Demônio despertado, atento e desconfiado, entrei na loja e logo em seguida percebo outra família típica “vipiana” pelotense. O pai, “meião” levantado até o meio das pernas, olhava para tudo ao seu redor com olhar de superioridade. Na cabeça trazia um chapéu estilo “sou yanke de corpo e alma”. A camiseta estampava, em letras brancas garrafais, o nome da Cidade Pecado abaixo de uma conhecida marca norte-americana acusada de explorar mão de obra infantil em países asiáticos. Dessa vez meu demônio foi mais comedido. Apenas fez um breve comentário: “Que cara bem patético!”
Ao deixar o provocante recinto, meu lado infernal começou novamente a hibernar. A sorte é que já me aposentei das festas de Rio Grande, caso contrário meu amigo despertaria mais frequentemente...


* Palavras escritas ao som de Kick out the Jams (1968), do MC5.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Palavras ao vento

Conheça teu inimigo.
Ele não se importa com tua cor
desde que trabalhes para ele;
ele não se importa com quanto ganhas
desde que ganhes mais  para ele;
ele não se importa com quem mora no quarto de cima
desde que ele seja dono do prédio;
ele te te deixará dizer o que quiseres contra ele
desde que não ajas contra ele;
ele canta louvores da humanidade
mas sabe que máquinas custam mais que homens;
negocia com ele, ele ri e vence-te;
desafia-o
e ele mata;
antes de  perder as coisas que possui,
ele destruirá o mundo.


Trecho do poema "Know the Enemy", do inglês Christopher Logue, 1968.