quarta-feira, 1 de maio de 2013

Homenagem ao Dia do Trabalhador


Homenagem a todos operários vítimas do "Massacre da Linha do Parque", ocorrida em Maio de 1950, na Cidade do Rio Grande. Em especial, a Honório Alves de Couto, Angelina Gonçalves, Osvaldino Correa e Euclides Pinto, assassinados pela repressão policial.





“Se desejamos e necessitamos comemorar um primeiro de maio com disposição de luta, com firmeza de defender nosso país da ocupação estrangeira, precisamos atentar, nesse dia, para a organização da classe operária, criando organizações em que ela se congregue, em que construa seus instrumentos de luta, adquira confiança em si própria e adquira experiências.” (Antonio Rechia, 28 de Abril de 1950)*


* Três dias após esse discurso ser proferido na Câmara dos Vereadores de Rio Grande, Antonio Rechia foi baleado por policiais que reprimiam as manifestações de Primeiro de Maio. Entretanto, o ferimento que o deixou paraplégico não foi capaz de tirá-lo das futuras lutas trabalhistas.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Um brinde no inferno


Existem mortes que aumentam ou que aliviam a dor. Existem mortes que trazem certezas ou dúvidas sobre o futuro próximo. Algumas se tornam lamentos públicos, grandes comoções capazes de mobilizar a população. Algumas sequer são percebidas, são como brisas em meio a tempestades. Outras são comemoradas como símbolos de liberdade e liberação de um regime opressor.
A morte de Margaret Thatcher nos traz uma única certeza: nada de saudade.

Representante do que existiu de pior no pensamento político-econômico ocidental dos anos 80, a Dama de Ferro seguiu à risca o paradigma que ela mesmo ajudou a modelar: a nefasta cartilha neoliberal. Em nome da “proteção econômica” do país, a Primeira Ministra promoveu uma verdadeira destruição das organizações trabalhistas inglesas. O combate violento às greves tornou-se prática e rotina do Estado. O arrocho salarial tornou-se realidade e, com ele, a desigualdade social, concepção comum à sociedade liberal, cristalizou-se no decadente império. Ceifou qualquer tido de política social e proteção aos mais necessitados. Enquanto trouxe a alegria para as elites britânica e estadunidense, foi a mão-de-ferro ardente que queimou a prosperidade do cidadão comum da Inglaterra.


Capa do single Sanctuary (1980) em "homenagem" à Dama de Ferro. Sofreu censura. 

Como se não bastasse o estrago feito na ilha, os tentáculos opressores de Margaret Thatcher também marcaram presença no continente sul-americano. Talvez a mais significativa tenha sido a sua estreita relação com o nefasto Chile de Pinochet, ganhando em troca, além de vantagens comerciais, um aeroporto nacional aberto às suas intenções imperialistas na Guerra das Malvinas (auxílio ainda difícil de ser digerido pelos hermanos argentinos).

Após o afastamento do golpista chileno, ambos nutriram uma especial amizade, incluindo chazinhos em Londres e carinhosos envios de flores (os espinhos foram deixados ao povo chileno...) e chocolates para a anfitriã inglesa. Essa relação amorosa foi tornada ainda mais pública quando, em outubro de 1988, Thatcher teve a ousadia (cara-de-pau mesmo) de publicar no periódico The Times uma carta onde agradecia ao assassino Pinochet por ter “salvado muitas vidas britânicas” durante o conflito nas Malvinas. No mesmo documento, alega que a violência da ditadura chilena era espelho da violência dos resistentes...

Em outro episódio, Thatcher visitou Pinochet em Surrey (localidade inglesa onde o ditador mantinha-se hospedado devido a seus problemas com os seguidos pedidos de extradição) levando consigo uma equipe de televisão, em mais uma de suas várias tentativas de salvar o assassino das garras da justiça espanhola através da “limpeza” da imagem pública do acusado. Nessa ocasião, a britânica sentenciou uma pérola teatral em frente a Pinochet: “Tenho plena consciência que foi o senhor quem levou a democracia ao Chile..” Enfim, Thatcher foi a grande paladina de um idoso Pinochet frequentemente perseguido pelos tribunais que queriam levar um pouco de justiça aos milhares de mortos e desaparecidos durante o regime militar chileno.


Afinidade comovente


Demorou, mas a mesma escuridão que tardou a chegar para o maldito Pinochet, finalmente chegou para sua comparsa britânica. O inferno terá uma noite de festa. Já é possível imaginar um estiloso jantar de gala, onde a Dama de Ferro e o Ditador Chileno colocarão suas conversas em dia sob os olhares atentos de Ronald Reagan. Entre um gole e outro de um bom vinho francês, falarão sobre suas peripécias terrenas. Contarão vantagens, darão risadas e, no final de tudo, concordarão que suas vidas realmente valeram a pena, foram marcantes, marcadas. Enquanto Pinochet cairá em risos ao lembrar os seus belos dribles na justiça espanhola e chilena (com destaque para a farsa da cadeira de rodas ao chegar a Santiago no ano 2000) e de seus mais de 40.000 assassinatos. Para não ficar atrás da conversa, Reagan se gabará com a proeza de seus caças F-111 que, no ano de 1986, em um único ataque conseguiu matar 100 civis na ofensiva à Líbia. Deixará o escândalo Irangate (venda de armas aos iranianos para o financiamento dos contras na Nicarágua) para um novo jantar, afinal, um bom estadista deve sempre ter algumas boas cartas na manga. Após ouvir atentamente as vantagens contadas pelos queridos comparsas, Margaret Thatcher deverá ser curta, mas definitiva ao declarar com o mais fino humor britânico: “Apesar dos ‘bons números’, nenhum de vocês conseguiu vencer um Oscar...”

* Palavras escritas ao som de Sanctuary (1980), da banda Iron Maiden.

quarta-feira, 6 de março de 2013

América de Luto

Confesso que ainda não consigo escrever nada sobre essa perda irreparável que a América Latina acaba de sofrer. A Venezuela perdeu a sua liderança. O continente perdeu a sua principal voz de protesto...




"Creo que existe en el mundo un poder

mayor que el poder negativo de la fuerza

 militar y de las bombas nucleares: el

 poder del bien, de la moralidad, del 

humanitarismo."


HUGO CHÁVEZ FRÍAS
1954-2013

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Quem se importa? Parte II


A morte de Carlos Alexandre Azevedo, ocorrida no último sábado, reascende algumas questões que são relegadas a segundo plano por nós brasileiros. O quase silêncio protagonizado pela grande mídia nacional revolta, mas em nada surpreende. Breves notas ou reportagens, logo retiradas dos destaques das principais fontes jornalísticas, cumpriram com o ritual de informar pela simples obrigação de manter a pauta atualizada. Quase nada foi dito, quase nada foi refletido sobre o triste suicídio do jovem de 37 anos. O leitor que buscava uma informação mais aprofundada sobre o assunto encontrou-a nos novos sites, construídos como resistência ao cartel midiático brasileiro. Obviamente a denominada PIG não teve interesse algum em expor assunto tão delicado, capaz de trazer à tona passado nada louvável dos mesmos meios que, nos dias atuais, insistem em levantar a bandeira democrática do debate (vide a visita da blogueira pop cubana).

No entanto, se da grande mídia não podemos esperar grande coisa, o que dizer do nosso meio acadêmico? Confesso que tal acontecimento me causou fortes reflexões sobre o nosso papel dentro da sociedade. Estaríamos cumprindo com o que nos é dever? Não estaríamos apenas assistindo (por vezes nem isso!!!) tudo acontecer, com uma postura imensamente preguiçosa e desinteressada sobre um passado (ainda presente) que nada mais é do que nossa própria razão de existir enquanto formadores, construtores de consciência política, humana e cidadã? O quanto nós estamos escrevendo, discutindo, DENUNCIANDO os problemas que estavam e estão por aí, rondando como uma alma perdida, em busca de uma ação que possa trazer um mínimo de justiça e memória para as pessoas que ainda sofrem com 64?

Todos que militamos no meio acadêmico, sabemos que existem pesquisadores incansáveis e muito competentes sobre o assunto. Eles estão espalhados pela USP, UFRJ, UFRGS, UNISINOS, entre outras universidades, federais ou não, com trabalhos de pesquisa e extensão, nadando contra uma atual corrente historiográfica que insiste em relativizar o conhecimento histórico e despolitizar as discussões acadêmicas. No entanto, esse belo trabalho enfrenta um imenso muro, criado entre a academia e a sociedade. Muro esse que se torna quase intransponível em se tratando do tema Ditadura Civil-Militar, considerado polêmico e perigoso para o status quo daqueles que ainda rondam no meio político e econômico no Brasil. 




Já passou a hora das Ciências Humanas, como um todo, combater essa condição anêmica da academia frente ao assunto. Os absurdos produzidos pelo Golpe de 64 NÃO PODEM SER COMBATIDOS SOMENTE PELOS ESPECIALISTAS NO ASSUNTO! Nós (aqui falo em historiadores) estamos demonstrando uma terrível falta de bom senso, e de responsabilidade histórico-social, ao delegar toda a ação de combate aos poucos intelectuais que estudam o assunto. É uma covardia inominável deixarmos nossos colegas sozinhos em uma luta tão desigual, onde os inimigos não são invisíveis, pelo contrário, todos nós sabemos quem são e do que eles são capazes através dos meios político e midiático.

Nossa luta é contra o pior artifício utilizado pela mídia: o esquecimento. Se o deixarmos tomar conta do nosso passado, seremos cúmplices de cada sofrimento imputado àquela geração.


* Palavras escritas ao som de Atom Heart Mother (1970), do Pink Floyd.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Quem se importa? Parte I


Hoje o Brasil todo repercute a exumação de D. Pedro I e suas duas mulheres. Corpos mumificados, transportados e estudados pela ciência. Os historiadores vibram, os brasileiros ficam curiosos, divididos entre a lembrança do que foi uma simples aula expositiva de ensino médio e o status que uma monarquia ainda é capaz de simbolizar no subconsciente do brasileiro (subconsciente que ainda guarda, com muito carinho, um insistente complexo de “vira-lata” latino-americano). Afinal, com essa novidade da ciência, quem se importa se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA) decidiu por um fim a sua breve existência?


O ano de 2013 chegou e com ele a renúncia do vice-presidente do Flamengo. Ocasião para estourar uma crise sem precedentes do clube carioca. O rubro-negro quase não conhece essa palavra: crise. É algo novo, que afetará diretamente a vida de milhões e milhões de brasileiros. Quem sabe isso afetará a busca de novos patrocínios. Isso seria uma catástrofe para um plantel milionário! Imaginem o caos que seria diminuir um salário de cerca de 300 mil para 200 mil ao ano! Como sobreviveriam com essa miséria? O problema: isso não é exclusividade do Flamengo. Pode se espraiar, chegar aos outros grande do Brasil. Seria uma catástrofe nacional! Com essa situação tão precária na camisa de maior torcida do país, quem se importará se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA) decidiu por um fim a sua breve existência?

  
Mais um paredão (duplo ou triplo, sei lá) na “casa mais vigiada do Brasil” se avizinha. O brasileiro fica com dúvida, pena, ódio... Em quem votar? Qual dos “heróis” que habita a global residência é mais sincero? Joga menos? Joga mais? Briga menos? Fofoca menos? Dúvidas e mais dúvidas rondam as cabeças dos brasileiros hipnotizados pela tela cada vez mais potente e compacta (plasma, LCD, Led, qual a melhor para comprar?) Uma única certeza alivia o coração aflito do aficionado pelo BBB: na noite da eliminação o Bial apresentará mais um de seus belos poemas, recheados de citações de famosos escritores. Uma total concha de retalhos sem sentido algum, a não ser para aqueles sofridos guerreiros presos em uma mansão, onde a única rotina é encher a cara e tomar banho de sol. Com a decisão se aproximando, quem se importa se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA) decidiu por um fim a sua breve existência?


Essa segunda-feira foi de festa para os democratas brasileiros. Acabou de desembarcar a blogueira cubana Yoani Sánchez. Todos nós estamos profundamente comovidos e gratos por esse bastião da liberdade ter escolhido logo o nosso país para começar a sua longa turnê mundial. Serão palestras, conversas e entrevistas (todas financiadas por grandes meios de comunicação e poderosas organizações de Estado) que nos farão lembrar o quanto somos felizes em ter os Estados Unidos como leal protetor durante todas essas décadas. Não perguntemos sobre Guantánamo, ou de suas relações com o governo norte-americano, financiamento de grandes corporações midiáticas. Isso não importa nesse momento. O importante é dar espaço a quem quase não o tem na Folha de São Paulo, Globo, El País, entre outros. Vamos resgatar os espíritos da Guerra Fria e mostrar ao Brasil o horror que é o socialismo cubano. Lá é impossível tu comprares esse Tablet recém-lançado. Naquela ilha a internet não é tão rápida quanto a dos países capitalistas. Um total atraso que deve ser denunciado ao mundo. Com a extraordinária presença de Sánchez, quem se importa se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA) decidiu por um fim a sua breve existência?


Uma ex-BBB e sua nova barriga desenhada por músculos, o beijo do jogador Fred em meio ao trânsito, a participação da filha do empresário Justus no aniversário do apresentador Fausto Silva, enfim, com tudo isso, quem se importa se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA), decidiu por um fim a sua breve existência?
  



a seguir...


* Palavras escritas no silêncio marcado pela impunidade.



quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Sou favorável à ajuda de custo


Na última semana um assunto praticamente monopolizou as redes sociais dos riograndinos: um possível boicote à Festa do Mar 2013. Idealizado pelo já conhecido e "ácido" blogueiro Eduardo Bozzetti, a campanha tem como um dos principais objetivos denunciar o descaso para com os músicos conterrâneos, simbolizado pela sempre temível forma de pagamento denominada “ajuda de custo”. Poucas palavras causam tanto mal estar na classe artística quanto essas três juntas. E o que é pior, essa expressão é figurinha bastante conhecida em nosso circuito papareia. Praticamente crescemos e nos acostumamos à ela.

Diferente de me juntar ao coro contrário à “ajuda de custo”, eu me coloco em defesa dessa prática. Talvez seja o momento de transformarmos a proposta da digníssima organização da FEMAR em estilo de vida riograndino. Uma espécie de moeda. Simples como a própria “ajuda de custo”. Como verdadeira propositora, a Festa do Mar poderia começar a espraiar essa prática com vistas a municipalizar a ação. Impor a todas as relações comerciais de Rio Grande a “ajuda de custo”

No entanto, para que isso venha a finalmente acontecer, é fundamental esse papel vanguardista da FEMAR. Com esse propósito, todos os comerciantes e expositores pagariam seus devidos espaços destinando uma “ajuda de custo” à organização. Claro, tudo de acordo com a real capacidade de endividamento dos mesmos. Ela poderia ser 1, 2, 5 reais ou, quem sabe, até um pouco mais, chegando aos absurdos 50 reais! O importante é o comerciante não estourar o orçamento. Há que se ter planejamento, afinal, o objetivo da FEMAR é filantrópico, não lucrativo.


Fonte: Jornal Agora


Nesse novo sistema, a população riograndina, o grande alvo da filantropia dos organizadores, também adentraria o complexo através de uma “ajuda de custo”, começando por 1 centavo e terminando até a capacidade salarial do cidadão. Ah, mas antes disso o visitante teria se deslocado até a Feira através de uma “ajuda de custo” à empresa de transporte coletivo. Resumindo, com três “ajudas de custo” o cidadão poderia tranquilamente visitar a FEMAR! E tudo isso sem prejudicar seu orçamento doméstico. (caso aquela fome batesse à porta do seu estômago com mais uma “ajuda de custo” o visitante poderia fazer um belo lanche no setor Gastronômico da FEMAR)

E o que sobraria aos músicos? Com a possível municipalização desse sistema de pagamento, os músicos riograndinos logo começariam a colher seus frutos. Na hora de pagarem o dono do estúdio, no qual semanalmente ensaiam e deixam cerca de 40 ou 50 reais por duas horas de uso, os caras passariam a dar uma “ajuda de custo” para o empresário do ramo. A velha “vaquinha” de 10 reais para cada membro do grupo transformar-se-ia em 30 ou 40 centavos “por cabeça”. Um baita alívio para o orçamento da banda! Com um gasto de 40 centavos por semana, o guitarrista poderia ir até à loja de instrumentos mais próxima e, com uma ótima “ajuda de custo”, fazer a alegria do vendedor do jogo de cordas. Bateria, pratos, guitarras, cabos, correias, pedais, enfim, tudo ficaria ao alcance de todos os músicos riograndinos. Ninguém precisaria mais poupar suas escassas finanças.

Enfim, expus apenas algumas das razões que me fazem ser contra o boicote propagado pelas redes sociais. Está faltando um pouco de compreensão com a real intenção da organização da FEMAR. Ela simplesmente está querendo fazer uma revolução na música e no comércio riograndino.

Triste, mas os vanguardistas são sempre tão incompreendidos...


* Palavras escritas ao som de Attack & Release (2008), do The Black Keys.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O lado antropólogo do diabo


Quando tu passas a morar em outra cidade é comum vir um choque inicial. Esse choque tende a ser bastante variável, podendo se expressar de forma mais clara nas diferenças dos traçados urbanos, arquitetura, estrutura comercial, trânsito, etc. No entanto, particularmente o que mais chama a atenção são os costumes, as formas com que os moradores se relacionam com a população e a própria cidade. Embora nem sempre incorporando as tradições e o jeito de ser dos moradores do novo habitat, é comum acabarmos nos acostumando com tal. Com o tempo, aquilo que antes estranhávamos e olhávamos como algo de “outro mundo”, torna-se habitual, pouco chamativo. 
Passei por tal processo em Montevidéu (com morada mais curta) e Pelotas (alguns bons anos na conta), antes de retornar à Cidade do Rio Grande. Neste último sábado, fiz uma rápida passagem por Pelotas, o que suficiente para ter uma espécie de deja vu da minha antiga mudança para essa cidade. Não há como negar: existe uma boa diferença entre o “ser pelotense” e o “ser riograndino”. Essa clara diferença se torna ainda mais latente quando tratamos das classes mais abastadas de ambas as cidades, da “nata”, da elite “vipiana” (ainda não há imposto para quem cria palavras). Isso não quer dizer que uma é melhor ou pior que a outra, mas elas se diferem na forma como se (re)apresentam e se relacionam com os pares ou com as classes inferiores. Isso é fato! Algo perceptível mesmo aos olhos mais desatentos.
Vamos aos fatos. Após estacionar o carro no estacionamento de uma loja altamente frequentada pela classe “vipiana” pelotense (antes que perguntem, não, não fui comprar nada), percebi que outra família também acabara de fazer o mesmo cerca de 10 metros de distância. Achei estranha a insistência do motorista do carro em lançar o olhar em minha direção. Logo vi que se tratava de um político da Cidade. Adaptando o que dizia o saudoso Brizola: “um netinho da Ditadura”. Membro daqueles velhos partidos que insistem em trocar de nome com o intuito de apresentar-se como algo novo. E lá ia ele na minha frente. Dava dois passos e olhava para trás esperando o meu aceno de eleitor em potencial. Mais dois passos e olhar para trás novamente, até que chegou um momento em que percebeu que o seu “amor eleitoral” não seria correspondido.
Após atravessar toda a rua, confesso que tive um pensamento maldoso, daqueles que, se por acaso eu fosse católico, deveria imediatamente confessar ao padre. Na minha cena imaginária eu respondia grosseiramente à sua tentativa eleitoral. Diria que meu título eleitoral não constava na lista dos cidadãos pelotenses e que, caso constasse, o Trem (torcedor símbolo do Farroupilha), caso candidato, teria mais chance de levar o meu voto do que o ex e venerável edil. Aproveitando meu momento estritamente imaginativo e mal educado, fantasiosamente emendei: “E tu és um grande papai burguês e otário por não aproveitar nem o sábado para cuidar do próprio filho!” Sim, ele foi passear com o filho acompanhado da esposa (creio eu) e uma uniformizada babá em pleno sábado!!
Esse meu pensamento pode ter sido um pouco exagerado, mas foi ele quem provocou meu demônio...


Eis o culpado!

Demônio despertado, atento e desconfiado, entrei na loja e logo em seguida percebo outra família típica “vipiana” pelotense. O pai, “meião” levantado até o meio das pernas, olhava para tudo ao seu redor com olhar de superioridade. Na cabeça trazia um chapéu estilo “sou yanke de corpo e alma”. A camiseta estampava, em letras brancas garrafais, o nome da Cidade Pecado abaixo de uma conhecida marca norte-americana acusada de explorar mão de obra infantil em países asiáticos. Dessa vez meu demônio foi mais comedido. Apenas fez um breve comentário: “Que cara bem patético!”
Ao deixar o provocante recinto, meu lado infernal começou novamente a hibernar. A sorte é que já me aposentei das festas de Rio Grande, caso contrário meu amigo despertaria mais frequentemente...


* Palavras escritas ao som de Kick out the Jams (1968), do MC5.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Palavras ao vento

Conheça teu inimigo.
Ele não se importa com tua cor
desde que trabalhes para ele;
ele não se importa com quanto ganhas
desde que ganhes mais  para ele;
ele não se importa com quem mora no quarto de cima
desde que ele seja dono do prédio;
ele te te deixará dizer o que quiseres contra ele
desde que não ajas contra ele;
ele canta louvores da humanidade
mas sabe que máquinas custam mais que homens;
negocia com ele, ele ri e vence-te;
desafia-o
e ele mata;
antes de  perder as coisas que possui,
ele destruirá o mundo.


Trecho do poema "Know the Enemy", do inglês Christopher Logue, 1968.