quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Quem se importa? Parte II


A morte de Carlos Alexandre Azevedo, ocorrida no último sábado, reascende algumas questões que são relegadas a segundo plano por nós brasileiros. O quase silêncio protagonizado pela grande mídia nacional revolta, mas em nada surpreende. Breves notas ou reportagens, logo retiradas dos destaques das principais fontes jornalísticas, cumpriram com o ritual de informar pela simples obrigação de manter a pauta atualizada. Quase nada foi dito, quase nada foi refletido sobre o triste suicídio do jovem de 37 anos. O leitor que buscava uma informação mais aprofundada sobre o assunto encontrou-a nos novos sites, construídos como resistência ao cartel midiático brasileiro. Obviamente a denominada PIG não teve interesse algum em expor assunto tão delicado, capaz de trazer à tona passado nada louvável dos mesmos meios que, nos dias atuais, insistem em levantar a bandeira democrática do debate (vide a visita da blogueira pop cubana).

No entanto, se da grande mídia não podemos esperar grande coisa, o que dizer do nosso meio acadêmico? Confesso que tal acontecimento me causou fortes reflexões sobre o nosso papel dentro da sociedade. Estaríamos cumprindo com o que nos é dever? Não estaríamos apenas assistindo (por vezes nem isso!!!) tudo acontecer, com uma postura imensamente preguiçosa e desinteressada sobre um passado (ainda presente) que nada mais é do que nossa própria razão de existir enquanto formadores, construtores de consciência política, humana e cidadã? O quanto nós estamos escrevendo, discutindo, DENUNCIANDO os problemas que estavam e estão por aí, rondando como uma alma perdida, em busca de uma ação que possa trazer um mínimo de justiça e memória para as pessoas que ainda sofrem com 64?

Todos que militamos no meio acadêmico, sabemos que existem pesquisadores incansáveis e muito competentes sobre o assunto. Eles estão espalhados pela USP, UFRJ, UFRGS, UNISINOS, entre outras universidades, federais ou não, com trabalhos de pesquisa e extensão, nadando contra uma atual corrente historiográfica que insiste em relativizar o conhecimento histórico e despolitizar as discussões acadêmicas. No entanto, esse belo trabalho enfrenta um imenso muro, criado entre a academia e a sociedade. Muro esse que se torna quase intransponível em se tratando do tema Ditadura Civil-Militar, considerado polêmico e perigoso para o status quo daqueles que ainda rondam no meio político e econômico no Brasil. 




Já passou a hora das Ciências Humanas, como um todo, combater essa condição anêmica da academia frente ao assunto. Os absurdos produzidos pelo Golpe de 64 NÃO PODEM SER COMBATIDOS SOMENTE PELOS ESPECIALISTAS NO ASSUNTO! Nós (aqui falo em historiadores) estamos demonstrando uma terrível falta de bom senso, e de responsabilidade histórico-social, ao delegar toda a ação de combate aos poucos intelectuais que estudam o assunto. É uma covardia inominável deixarmos nossos colegas sozinhos em uma luta tão desigual, onde os inimigos não são invisíveis, pelo contrário, todos nós sabemos quem são e do que eles são capazes através dos meios político e midiático.

Nossa luta é contra o pior artifício utilizado pela mídia: o esquecimento. Se o deixarmos tomar conta do nosso passado, seremos cúmplices de cada sofrimento imputado àquela geração.


* Palavras escritas ao som de Atom Heart Mother (1970), do Pink Floyd.


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Quem se importa? Parte I


Hoje o Brasil todo repercute a exumação de D. Pedro I e suas duas mulheres. Corpos mumificados, transportados e estudados pela ciência. Os historiadores vibram, os brasileiros ficam curiosos, divididos entre a lembrança do que foi uma simples aula expositiva de ensino médio e o status que uma monarquia ainda é capaz de simbolizar no subconsciente do brasileiro (subconsciente que ainda guarda, com muito carinho, um insistente complexo de “vira-lata” latino-americano). Afinal, com essa novidade da ciência, quem se importa se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA) decidiu por um fim a sua breve existência?


O ano de 2013 chegou e com ele a renúncia do vice-presidente do Flamengo. Ocasião para estourar uma crise sem precedentes do clube carioca. O rubro-negro quase não conhece essa palavra: crise. É algo novo, que afetará diretamente a vida de milhões e milhões de brasileiros. Quem sabe isso afetará a busca de novos patrocínios. Isso seria uma catástrofe para um plantel milionário! Imaginem o caos que seria diminuir um salário de cerca de 300 mil para 200 mil ao ano! Como sobreviveriam com essa miséria? O problema: isso não é exclusividade do Flamengo. Pode se espraiar, chegar aos outros grande do Brasil. Seria uma catástrofe nacional! Com essa situação tão precária na camisa de maior torcida do país, quem se importará se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA) decidiu por um fim a sua breve existência?

  
Mais um paredão (duplo ou triplo, sei lá) na “casa mais vigiada do Brasil” se avizinha. O brasileiro fica com dúvida, pena, ódio... Em quem votar? Qual dos “heróis” que habita a global residência é mais sincero? Joga menos? Joga mais? Briga menos? Fofoca menos? Dúvidas e mais dúvidas rondam as cabeças dos brasileiros hipnotizados pela tela cada vez mais potente e compacta (plasma, LCD, Led, qual a melhor para comprar?) Uma única certeza alivia o coração aflito do aficionado pelo BBB: na noite da eliminação o Bial apresentará mais um de seus belos poemas, recheados de citações de famosos escritores. Uma total concha de retalhos sem sentido algum, a não ser para aqueles sofridos guerreiros presos em uma mansão, onde a única rotina é encher a cara e tomar banho de sol. Com a decisão se aproximando, quem se importa se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA) decidiu por um fim a sua breve existência?


Essa segunda-feira foi de festa para os democratas brasileiros. Acabou de desembarcar a blogueira cubana Yoani Sánchez. Todos nós estamos profundamente comovidos e gratos por esse bastião da liberdade ter escolhido logo o nosso país para começar a sua longa turnê mundial. Serão palestras, conversas e entrevistas (todas financiadas por grandes meios de comunicação e poderosas organizações de Estado) que nos farão lembrar o quanto somos felizes em ter os Estados Unidos como leal protetor durante todas essas décadas. Não perguntemos sobre Guantánamo, ou de suas relações com o governo norte-americano, financiamento de grandes corporações midiáticas. Isso não importa nesse momento. O importante é dar espaço a quem quase não o tem na Folha de São Paulo, Globo, El País, entre outros. Vamos resgatar os espíritos da Guerra Fria e mostrar ao Brasil o horror que é o socialismo cubano. Lá é impossível tu comprares esse Tablet recém-lançado. Naquela ilha a internet não é tão rápida quanto a dos países capitalistas. Um total atraso que deve ser denunciado ao mundo. Com a extraordinária presença de Sánchez, quem se importa se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA) decidiu por um fim a sua breve existência?


Uma ex-BBB e sua nova barriga desenhada por músculos, o beijo do jogador Fred em meio ao trânsito, a participação da filha do empresário Justus no aniversário do apresentador Fausto Silva, enfim, com tudo isso, quem se importa se Carlos Alexandre Azevedo (torturado pelo DOPS paulista, com pancadas e choques elétricos, quando tinha apenas 1 ANO e 8 MESES DE VIDA), decidiu por um fim a sua breve existência?
  



a seguir...


* Palavras escritas no silêncio marcado pela impunidade.